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Os Impactos da Solução de Consulta COSIT n° 39/2025 e da Reforma Tributária no Cost Sharing Internacional

  • Foto do escritor: Roberto de Souza Ferreira Greco
    Roberto de Souza Ferreira Greco
  • 9 de jul.
  • 7 min de leitura


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O Cost-Sharing Agreement, instrumento contratual comumente utilizado em grupos econômicos, notadamente internacionais, objetivando a centralização de seus custos e despesas envolvendo as atividades-meio em uma das empresas do grupo, que posteriormente será reembolsada pelas demais entidades pela parcela das despesas que lhes beneficiaram, por questões de eficiência na gestão, vêm despertando, ao longo dos anos, diversas discussões quanto aos seus reflexos tributários, em especial quanto à alteração de entendimento da Receita Federal do Brasil em relação ao tratamento tributário dispensado e, ainda, o exame dos possíveis impactos decorrentes da Reforma Tributária.


  1. Da evolução da interpretação da Receita Federal do Brasil quanto ao tratamento tributário dispensado ao contrato de compartilhamento de custos e despesas


A Receita Federal do Brasil editou a Solução de Consulta COSIT nº 8/2012, na qual se admitia, para fins do PIS/PASEP e da COFINS, o creditamento dos valores comprovadamente pagos, referentes a bens e serviços, se os custos e as despesas rateados forem necessários, usuais e normais no contexto empresarial, bem como haja critérios razoáveis e objetivos, previamente ajustados em contrato próprio, devendo ser observado o efetivo gasto de cada empresa e o preço global pago pelos bens e serviços, em observância aos princípios gerais da contabilidade. Em contrapartida, caso o referido critério não fosse observado, a Receita Federal considerava que o tratamento tributário dispensado à operação deveria ser aquele aplicado aos preços de transferência.


Em 2013, a COSIT editou a Solução de Divergência n° 23/2013 na qual, nesse mesmo contexto do rateio de despesas e custos entre empresas do mesmo grupo empresarial, considerou que referidas despesas poderiam ser dedutíveis da base de cálculo do IRPJ, utilizando os mesmos critérios basilares da Solução de Consulta COSIT n° 8/2012, com o acréscimo de que (i) o valor pago por cada empresa seja proporcional ao que foi aproveitado pela empresa centralizadora, (ii) a quem caberá a dedução proporcional e (iii) a manutenção da escrituração dessas despesas e respectivos ressarcimentos.


Por sua vez, na Solução de Consulta COSIT n° 43/2015 concluiu-se que sobre as remessas ao exterior realizadas nos contratos internacionais de compartilhamento de custos e despesas, deve incidir a CIDE-Royalties, por se tratar de remuneração paga a residente ou domiciliado no exterior, tendo sido considerada irrelevante a existência ou não de lucro auferido pela empresa no exterior.


Igualmente, na Solução de Consulta COSIT n° 50/2016, a Receita Federal do Brasil concluiu que na remessa de valores ao exterior, a título de reembolso pela empresa brasileira quanto às despesas e aos custos adiantados pela empresa no exterior no bojo desses contratos de Cost Sharing, deve ocorrer a incidência do PIS/COFINS-Importação.


Ainda, a COSIT, em 2021, editou a Solução de Consulta n° 149/2021 em que se definiu que os reembolsos são os valores recebidos por pessoa jurídica centralizadora relativos aos contratos de rateio de custos e despesas das demais pessoas jurídicas ligadas, condicionando à comprovação dos requisitos exigidos na Solução de Consulta n° 8/2012 e da Solução de Divergência n° 23/2013, tendo sido afirmado, todavia, que os reembolsos auferidos pela pessoa jurídica centralizadora, decorrente do rateio de custos e despesas, não são considerados receitas para fins de apuração do IRPJ com base no lucro presumido, desde que (i) não haja qualquer margem de lucro e (ii) não se configure como contraprestação de serviços prestados pela empresa centralizadora. 


Mais recentemente, entretanto, foram editadas as Soluções de Consulta COSIT n°s 284/2024 e 39/2025, nas quais a Receita Federal modificou seu entendimento sobre o tratamento tributário do reembolso do Cost Sharing Agreement para considerá-lo como contraprestação pelos serviços técnicos e administrativos:


  • SC COSIT n° 284/2024 – definiu que o reembolso de despesas e custos incorridos por empresas prestadoras de serviços estrangeiras, ainda que pertencentes ao mesmo grupo econômico, sujeitam-se à tributação pelo IRRF, CIDE-Royalties, PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação, por entender que as despesas incorridas integrariam o custo do prestador reembolsado pelo tomador dos serviços, sendo considerado, pois, como parte da remuneração pelo serviço prestado; e


  • SC COSIT n° 39/2025 – considerou que os contratos de rateio de despesas são considerados como remessas para o exterior, a título de remuneração de serviços prestados, entendendo que não só seria irrelevante a existência ou não de margem de lucro, como também, de toda a forma, que se enquadraria como serviço técnico, o que sujeitaria o reembolso de despesas às exações anteriormente mencionadas (IRRF, CIDE-Royalties, PIS/PASEP-Importação e COFINS-Importação), sendo afastada a retenção do IR somente nos casos em que o Brasil tiver firmado Acordo para Evitar Dupla Tributação com o Estado onde se situa o beneficiário, muito embora condicione a verificação de que a “utilidade importada” constitui prestação de serviço.


Dessa forma, segundo a orientação mais recente adotada pela Receita Federal do Brasil na Solução de Consulta COSIT n° 39/2025, os valores remetidos ao exterior, seja a título de contraprestação pelos serviços, seja a título de reembolso de despesas sofrem a incidência dos tributos federais (IRRF, CIDE-Royalties, PIS/PASEP-Importação, COFINS-Importação, etc.) segundo o entendimento de que tal operação representaria contrapartida de prestação de serviço, ainda que sem margem de lucro, tratando-se de assistência técnica ou serviço técnico, com ou sem transferência de tecnologia.


  1. Julgamento do Tema 914 no STF


Outro tema que tangencia os contratos de compartilhamento de custos é Tema de repercussão geral perante o Supremo Tribunal Federal, qual seja, a constitucionalidade da incidência da CIDE-Royalties.


O julgamento desse tema impacta os cost sharings, na medida em que está sendo apreciada a constitucionalidade da exação, inclusive nas remessas atinentes a contratos de serviços que não envolvam a transferência de tecnologia.


Deve-se destacar que houve o início do julgamento de mérito em sessão realizada no dia 29 de maio de 2025, na qual o Ministro Luiz Fux proferiu voto declarando que a CIDE-Royalties deve incidir apenas e tão somente sobre as remessas de valores que envolvam contratos que tenham por objeto a exploração de tecnologia, ainda que não haja a transferência de tecnologia, não se incluindo no campo de incidência contratos que se referiam “(...) exploração de tecnologia estrangeira, tais quais as correspondentes à remuneração de direitos autorais, incluída a exploração de softwares sem transferência de tecnologia, e de serviços que não envolvem exploração de tecnologia (...)”. Ainda, propôs a modulação de efeitos da decisão a partir da publicação da ata de julgamento, ressalvadas ações judiciais e processos administrativos pendentes, bem como créditos tributários ainda não constituídos.


Em parcial divergência, o Ministro Flávio Dino apresentou voto no sentido de declarar que a CIDE-Royalties, na forma como instituída pela Lei n° 10.168/2000 e suas alterações posteriores, seria constitucional. Para a parte divergente, o Ministro propôs que o produto da arrecadação deve estar vinculado à sua finalidade, de modo a ser aplicada, na forma da Lei, à “(...) área de atuação Ciência e Tecnologia (...)”.


O julgamento de mérito ainda não foi finalizado, pois foi suspenso, com expectativa de ser retomado/concluído no mês de agosto.


  1. Incidência de outros tributos 


No contexto do atual sistema tributário, o entendimento fiscal da Receita Federal no sentido de que as operações realizadas no âmbito do Cost Sharing representariam prestação de serviços acaba por influenciar as Fazendas Públicas Municipais, na medida em que estas acabam exigindo o ISS sobre os referidos contratos de compartilhamento de custos e despesas.


Neste contexto, o Conselho Municipal de Tributos (“CMT”), do Município de São Paulo, já apreciou a matéria (ex., processo administrativo n° 6017.2021/0024258-6), oportunidade em que (i) não foi caracterizado o reembolso de despesas, pois não havia variação nos pagamentos efetuados, o que impediria que se tratasse de meros reembolsos de despesas ou custos e (ii) havia ausência de critérios que vinculassem imediatamente aos custos incorridos. Em outro julgamento (ex., processo administrativo n° 6017.2020/0043073-9), a 2ª Câmara do CMT não reconheceu o contrato de Cost Sharing, pelo fato de que o próprio instrumento que lastreia o reembolso de despesas se referia a “prestação de serviços”, bem como por conter expressamente a possibilidade de inclusão do acréscimo patrimonial.


  1. Impactos decorrentes da Reforma Tributária sobre o Cost Sharing


Com a Reforma Tributária introduzida com a Emenda Constitucional n° 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar n° 214/2025, passou-se a admitir que os novos tributos – isto é, o Imposto sobre Bens e Serviços (“IBS”) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (“CBS”) – incidam sobre toda e qualquer operação, inclusive na importação, envolvendo bens materiais ou imateriais, aí incluídos os direitos, bem como os serviços.


Com efeito, a Lei Complementar nº 214/2025 define a hipótese de incidência do IBS e da CBS como sendo a realização (i) de quaisquer operações onerosas com bens e serviços (artigo 4º), inclusive considerando se tratar de partes relacionadas, entre controladora e controladas, (ii) de certas operações não onerosas (ou praticada a valor inferior ao de mercado) realizadas entre partes reputadas relacionadas, nos termos da legislação dos preços de transferência (iii) de importações de bens ou serviços (executados, relacionados a bem imóvel ou móvel situado no Brasil, ou remetidos ao exterior para execução de serviços, retornando ao País).


Assim, dada a abrangência da hipótese de incidência desses tributos, parece-nos se tornar desinfluente qualquer divergência sobre a natureza jurídica dos pagamentos realizados à empresa centralizadora, para fins de tributação pelo IBS e pela CBS, até porque, conforme o § 3º do artigo 4º da Lei Complementar nº 214/2025, para a tributação em foco é irrelevante a forma do negócio jurídico ou a obtenção de lucro com a operação, assegurando-se a apropriação do crédito ao contribuinte, em razão da não-cumulatividade plena (artigos 47 e seguintes), constitucionalmente assegurada.


Contudo, nos termos do artigo 12, § 2º, inciso IV, da Lei Complementar n° 214/2025, não se incluem na base de cálculo da CBS e do IBS os “(...) reembolsos ou ressarcimentos recebidos por valores pagos relativos a operações por conta e ordem ou em nome de terceiros, desde que a documentação fiscal relativa a essas operações seja emitida em nome do terceiro”.


E muito embora o alcance desse dispositivo deva ser mais bem esclarecido por ocasião da regulamentação da Lei Complementar em questão, ele poderá ensejar a reabertura da discussão sobre a natureza jurídica dos pagamentos realizados em razão de contratos de compartilhamento de custos, já que a doutrina é farta no sentido de que se trata de meros reembolsos, e não prestação de serviços, o que, atendidos os requisitos formais da documentação fiscal, poderia afastar a sua tributação pelo IBS e pela CBS.




 
 
 

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